Vincent Van Gogh, um dos artistas mais celebrados do mundo, nunca escondeu o seu amor pela arte japonesa, sua maior fonte de inspiração. Em uma carta para seu irmão ele afirma: "Todo o meu trabalho é inspirado de alguma forma pela arte japonesa".
O Japão para ele era não só uma fonte de inspiração criativa mas um lugar mágico e místico, um paraíso utópico de flores e mulheres de quimono, banhado por um sol que trazia a beleza do mundo à tona, onde o sentimento religioso, a imersão no mundo natural e a criação artística se juntavam e formavam uma forma diferente de se viver.
Quando o Japão se abriu para o mundo em 1850, depois de 200 anos de isolação auto-imposta, vários itens começaram a ser vendidos nos mercados europeus e uma verdadeira febre por todas as coisas japonesas nasceu. Porcelanas, guarda-sóis, leques e objetos de arte eram adorados pelos franceses, que gostavam de decorar seus ambientes à moda japonesa.
Junto desses e de outros objetos, os mercadores trouxeram os prints de artes japonesas Ukiyo-E, a 'arte do mundo flutuante', e logo eles viraram fonte de inspiração para os artistas impressionistas de Paris. Édouard Manet, Claude Monet e Edgar Degas, entre outros, estudaram Ukiyo-E. Todos começaram a colecionar os prints e em 1872 já havia sido cunhado o termo 'Japonisme' para descrever a influencia da arte e design japoneses nas artes visuais ocidentais.
"Pense nisso, se o que os japoneses nos ensinam não é quase uma nova religião, ser tão simples e viver com a natureza como se eles mesmos fossem flores? Não poderíamos estudar a arte japonesa, me parece, sem nos tornarmos muito mais felizes e animados, e ela nos traz de volta a natureza, apesar de nossa educação e de nossos trabalhos em um mundo de convenções".
Vincent Van Gogh em uma carta para seu irmão, 23 ou 24 de Setembro de 1888
Van Gogh só os descobriu em 1885, quando morava na cidade belga de Antuérpia e comprou alguns prints de Ukiyo-E, que pendurou nas paredes de seu estúdio. Quando se mudou para Paris em 1886 passou a colecionar prints, comprando mais de 600. Considerava-os modelos de expressão artística pura, "A arte japonesa é como a dos primitivos, como a dos Gregos, como os velhos holandeses, Rembrandt, Potter, Vermeer etc... ela nunca termina".
Primeiro ele fez algumas cópias dos prints e logo a inspiração dos Ukiyo-E se via por toda a sua arte. O uso do vazio no meio das composições, o alargamento de objetos no fundo e a técnica de excluir o horizonte e cortar abruptamente os elementos da borda da pintura. Vincent era atraído por esses efeitos visuais distintos, pela abundância de cores fortes, pelos objetos cotidianos e a atenção aos detalhes da natureza e pela atmosfera idílica.
A influência da arte japonesa foi tão forte que Van Gogh passou a acreditar que sua arte precisava de uma atmosfera similar a do Japão, na natureza, no sol e na forma de viver. Escolheu Arles no sul da França, que considerava a região mais próxima da visão que ele tinha do Japão e três meses depois ele dizia em uma carta ao irmão que "Depois de um tempo sua visão muda, você começa a ver as coisas com um olhar japonês, a sentir as cores de uma forma diferente".
Criou uma colônia para artistas e mandou aos seus amigos Paul Gauguin e Emile Bernard um auto-retrato seu com o cabelo raspado e o olhar sereno de um monge budista, um "bonze" como ele colocou em uma carta a Paul Gauguin, "um simples adorador do Buda eterno".
Van Gogh sempre usou a natureza como ponto principal de sua arte e reconheceu o mesmo na arte japonesa. Ao mesmo tempo através dos Ukiyo-E ele teve achou a inspiração para se modernizar. Vincent sempre procurou criar uma arte moderna de uma forma primitiva, natural. Os prints japoneses, com suas cores expansivas e sua estilização lhe mostraram o caminho, mantendo a natureza como ponto principal. Foi uma combinação ideal.
Seu sonho de viver em comunhão com a natureza e entre artistas não deu muito certo, apenas Paul Gauguin foi morar com ele, inspirando-o a pintar mais pela sua imaginação e de forma mais estilizada, em sua visão uma pintura não deveria ser uma fotografia.
O relacionamento dos dois foi tumultuoso e após uma acalorada discussão Van Gogh cortou a sua própria orelha, pintando o famoso auto-retrato com a orelha enfaixada.
E mesmo no seu pior momento, fez questão de pintar o seu print de Ukiyo-E favorito ao fundo, com suas gueixas e flores, um retrato da paz que tanto procurou sem nunca encontrar.